Trígono das Yabás
I.
aprendi
a ficar
no meu
canto,
catando,
às pressas,
as asas
das penas
que fazem
as pernas
voarem
pelo vácuo
escuro
do roncó
às margens
do farol e
seus delírios
de maresia
intensa e
trovoada tardia
de raios d’água
que combinam
elétricas rajadas
de ventos que
vociferam Oyás
em tua alma
ama de
dádiva-letra
e maiúscula
memória
– quântica hora
do absurdo – de
um tempo
em giras
cósmicas
e voltas
quiméricas,
matérias
de outro
mundo,
menos
miserável
e inoportuno,
onde escutamos,
imprevistos,
os silêncios
da manhã
no mar…
II.
é sereno
onde deixo,
sem certezas
nem abandono,
essas sementes
se espalhando
pela Praça
de Espanha,
sobre a terra crua
a semeadura
de tua face líquida,
pelos panos claros,
fronhas curtas e
tecidos do lençol
contra a gravidade
de toda a situação.
e desde então
escrevi esta
última canção,
letra justaposta
à harmonia do pão
e da alegria, tão bem
cerzida na bainha
da coberta
(nas anáguas
da baiana)
que desenha
teu descanso
sobre o travesseiro,
de manhã,
enquanto
me perguntas
com seus cabelos:
– com qual
paisagem
sonhaste na
noite passada?
– mãe d’água –
quando a face
de tua boca,
orvalhada, e
inundadas copas,
corolas e cútis,
cuida o ser ter
bom tempo, em
dia de amanhã
: contradança,
capoeira
do zodíaco,
cega ioga
na esteira
do roncó
como sangue
em-fogo-lava
das estrelas
a correr,
secreto,
nos ventres
de Gaia.
III.
e agora,
enquanto
amanhece
e me contas
sobre a noite
passada, brilha
o colar de conchas
que se esparramam
em teu pescoço
carregando de flores
e águas de alfazema
as costas da blusa azul
que vestes para deitar,
enquanto sussurro
estas estrofes
transparentes
vitrais de versos
e veículos
de antídotos
contra ídolos
nesta província
– arremedo
de república
aos pedaços –
em alguma
estranha margem
do Atlântico
onde, introspecto,
um ser marinho
se levanta. mas
que não te assustes
tal pressentimento:
– sons de foices
e vermelhas luzes,
velozes, soltas no ar,
cortando os ventos.
CAMILLO CÉSAR ALVARENGA
Camillo César Alvarenga (São Félix, Recôncavo da Bahia, 1988) é um poeta, tradutor e crítico. Autor do livro de poemas “Scombros” (Edufrb, 2012) e organizador da antologia de poetas baianos “Canoas do Paraguaçu” (Edufrb, 2012). Além de publicar o poemário OFILTRO (Coleção Oju Aye, 2013), recebeu o Prêmio Maximiano Campos de Literatura (Instituto Maximiano Campos) na categoria Micro-Contos (2013). Traduziu Pablo Neruda, Octavio Paz, Langston Hughes, Nicolás Guillén, entre outros. Estes poemas inéditos fazem parte de uma série chamada “Ogun, Odé e as Yabás” que formará parte do seu novo livro “Flor de Búzios”, a sair ainda em 2017.
Sobre Textos fora do mapa: Aqui publicamos poemas, ficções, resenhas e crônicas inéditos de escritores brasileiros e não brasileiros, que muito generosamente escolheram compartilhar aqui. Tudo que você encontrar nesta seção aparece aqui pela primeira vez. Textos fora do mapa, assim como todas as seções deste site, inclui textos em diferentes línguas conhecidos ou em nenhum idioma previamente conhecido.
Crédito da foto: Lorena Palacios Limon.