Sábado (memória)
Sarah Rebecca Kersley (Reino Unido/Brasil), 2018
paraLeLo13S, 2018, 88 p.
Breno Fernandes
Embora Sarah tenha nascido no Reino Unido, sua atuação na cena literária nacional, sobretudo em Salvador, nos últimos anos, me permite dizer que essa é das narrativas baianas mais gostosas que li esse ano.
É uma história simples e verídica: as circunstâncias em que ela, que é descendente de judeus russos emigrados para a Grã-Bretanha e que atualmente mora na Bahia, se descobriu prima do poeta russo Anatoly Naiman, discípulo de Anna Akhmátova, poeta modernista daquele país.
Mas o modo como Sarah nos conta essa história familiar, ah!, é aí que está a beleza da coisa. Em se tratando de uma narrativa em que todas as ações têm correspondência na vida real e usam a literatura como bússola, é como ver uma personagem de Jorge Luis Borges saída do papel, mas bem aqui, no primeiro quartel do século 21, pois a narradora está totalmente inserida no seu tempo, como demonstram suas reflexões sobre identidade e minorias. Que, aliás, vêm de uma maneira tão leve, reflexiva e bem amarrada à trama, que eu tomo como um dos melhores exemplos que vi de como trazer esses temas a uma história, sem o tom panfletário que é comum encontrar por aí.
Leveza, aliás, é a palavra que mais repeti nos áudios que mandei para amigos durante a leitura de “Sábado”.
O único problema do livro — e falo sério — é que ele acaba, e você sente abruptamente a perda da chance de conhecer melhor aqueles persnangens encantadores, de ler sobre algum encontro primaveril dos primos a meio caminho entre Rússia e Brasil, ou Rússia e Inglaterra. Por dias me senti como que traído, queria uma autoficção que desse continuidade ao que a narradora ainda não viveu. Mas agora, passado quase um mês, a sensação que vem é a de que fazem sentido as lacunas. A memória e a poesia são os principais pilares do modo como a narradora busca se compreender — e ela as valoriza tanto que, não à toa, nomeia a duração desse passeio pela memória e pela poesia com o título de “Sábado”, o período de resguardo sagrado dos judeus. E o que sucede é que a memória e a poesia são assim, fugazes, te dando menos do que você espera para que você veja as lacunas, se incomode com elas e faça algo. Aja.
Desde então revisito e escrevo quase diariamente, como nunca antes fizera, histórias das minhas origens.
Sábado / Sarah Rebecca Kersley: Editora paralelo13S / Boto-cor-de-rosa, 2018. 88 páginas. Disponível aqui.
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Breno Fernandes é escritor, jornalista e pesquisador de literatura. É autor de “Mendax, o ladrão de histórias” (FB Publicações), entre outras obras. Site: brenofernandes.info
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[Leitura publicada originalmente no Facebook de Breno Fernandes, e reproduzido aqui com permissão].