Kalunga

CANARINHAS DA VILA

o que pode a minha poesia contra isso:
três jovens assassinadas lado a lado?

o que pode a letra morta
da lei, da constituição
contra este costume brasileiro
de matar negros como moscas?

o que pode nossas vozes
ante os estampidos
que despedaçam crianças como nozes?
nossos cupidos sendo brancamente mortos
canarinhos da vila
abatidas pelos badogues de fogo
borboletas da paixão
com o imenso ar
e a intensa vida pela frente
presas na fotografia do jornal
o fim…

mas eu não quero terminar aqui
a juventude da minha palavra
descberta
quer-se franca e copiosa como lágrimas
e certa
espada concreta do guerreiro-mor
varrendo a tragédia
para longe do lugar comum
quando abro esta manhã de sol e sábado
e a polícia me lava o rosto
com sangue negro juvenil
penso no genocídio da negra gente
(suicídio inconsciente do brasil…)
o mar malungo me enche os olhos
e o meu coração lança ondas soluçantes
à minha alma de rocha masculina
e ela se desfaz e salga meu caminho
e os homens-meninos da rua que criei
                                                                 levemente me evitem

e eu choro criança sem parar
querendo todo mundo aqui
em torno de mim
a minha dor

eu digo não!
ergo meu poema como um não
outra vez
nesta vida de áfrica sequestrada
quando outros poderiam ser os versos
pra falar de adolescentes semelhantes
àquela minha mesma namorada
preta, pretinha, carapinha
que me acompanha desde que nasci

Lande Onawale
do livro “Kalunga” (edição do autor, 2011)

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