CALMA, RAPAZ!

 

CALMA, RAPAZ!

 

Então, eu resolvi afundar os negreiros

Afogar capitães e marinheiros do empreendimento

No mesmo sal do mesmo mar que me sugava os restos corroídos

Foi quando esta voz sussurrou ao meu ouvido:

– Calma, Rapaz!

 

Então eu resolvi incendiar a casa grande

Queimar as sinhás e sinhôs

Na mesma fogueira que aquecia o ferro que me fritava a carne

Foi quando esta voz sussurrou ao meu ouvido:

– Calma, Rapaz!

 

Então eu resolvi alvejar a cabeça do capitão do mato

Para dominar o campo de batalha em que eu vivia

Com o mesmo trabuco que me atingia as costas quando eu fugia

Foi quando esta voz sussurrou ao meu ouvido:

– Calma, Rapaz!

 

Então eu resolvi cortar a garganta da princesa de maio

Para exterminar de vez as falácias da abolição

Com a mesma lâmina que me decepava os dedos de negro fujão

Foi quando esta voz sussurrou ao meu ouvido:

– Calma, Rapaz!

 

Então eu resolvi sequestrar o dono da fábrica

Para reparar as deficiências do meu salário que é o mínimo

Com a mesma neutralidade que me seqüestraram a força ativa

Foi quando esta voz sussurrou ao meu ouvido:

– Calma, Rapaz!

 

Então eu resolvi socar a boca do primeiro filho da puta que aparecesse

Para sangrar a oligarquia dos que sempre nos calam

Com o mesmo punho cerrado que sempre nos socaram

Mas esta voz ainda sussurrou ao meu ouvido:

– Calma, Rapaz!

 

NELSON MACA

em “Gramática da Ira”  (Salvador, Blackitude, 2015)

 

Veja mais de Nelson Maca:

CALMA, RAPAZ! em inglês

ENCRUZILHADA – Vozes do Engenho – Sarau Comunidade (Espaço Cultural Pierre Verger, Salvador, maio 2016)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *