Noemi Jaffe (foto: Alessandro Shinoda)

lado a lado – Noemi Jaffe

lado a lado

um navio carregava coisas
e nós nos perguntávamos:
o que seriam?
vinha de onde, o navio?
não entendíamos aquelas letras.
um o cortado ao meio, o s acentuado.
seria sueco? lituano?
decidimos que seria estoniano.
isso, estoniano.
se vinha da estônia, o navio,
seriam arenques defumados,
dispostos lado a lado em contêineres.
mas seriam tristes, os arenques,
vindos de tão longe,
para o brasil.
e se fossem enciclopédias,
vindas de uma gráfica na,
“qual é a capital da estônia, meu deus?”,
de lá mesmo,
onde se produziriam enciclopédias chinesas,
a preços muito baratos,
ligeiramente clandestinas,
que se exportariam para países periféricos,
onde chineses, imigrantes, leriam sobre dinastias,
idades médias, estrelas, dnas e drosófilas.
era isso!
elas seriam, então, como nós duas,
aquelas enciclopédias chinesas,
fabricadas na estônia.
duas intrusas do mundo,
olhando, novas e antigas, uma para a outra.
na bahia,
um navio enorme por entre as grades
de um santo antônio de praça além do carmo,
carregando arenques ou enciclopédias
numa língua estranha.
como nós,
vindas dos navios
húngaros e irlandeses,
encontradas ali, atrás do pelourinho,
descobrindo praças e cargueiros coloridos.

Noemi Jaffe


Poema inédito generosamente cedido à Boto pela autora. Estamos gratas! Temos livros de Noemi Jaffe aqui na Boto!

….
(crédito da foto: Alessandro Shinoda)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *